domingo, 17 de abril de 2011

TRAUMATISMO CRÂNIO ENCEFÁLICO

O traumatismo cranioncefálico (TCE) é importante causa de morte e de deficiência física e mental, superado apenas pelo acidente vascular cerebral (AVC) como patologia neurológica com maior impacto na qualidade de vida. Nos últimos 10 anos a Rede SARAH de Hospitais atendeu 5.133 pacientes com TCE e 20.422 pacientes com AVC. A idade média dos pacientes com TCE foi 30,9 anos e 77,3 por cento foram do sexo masculino. A idade média dos pacientes com AVC foi 60,3 anos e a proporção homem/ mulher foi igual a 1:1.
Lesões cerebrais ocorrem em todas as faixas etárias, sendo mais comuns em adultos jovens, na faixa entre 15 e 24 anos. A incidência é três a quatro vezes maior nos homens do que nas mulheres. Os acidentes de trânsito são a principal causa de lesão cerebral vindo em seguida a violência pessoal.
Vários são os mecanismos responsáveis pelos TCEs. Lesões corto-contusas, perfurações, fraturas de crânio, movimentos bruscos de aceleração e desaceleração e estiramento da massa encefálica, dos vasos intracranianos e das meninges (membranas que revestem o cérebro). As lesões podem ser focais ou generalizadas. As focais localizam-se próximas à área do trauma ou em áreas mais distantes.
Voltar ao início
Prevenção
A Rede SARAH tem um Centro de Pesquisas (CEPES) que desenvolve estudos que visam gerar conhecimentos que contribuam para a prevenção da ocorrência das principais patologias atendidas no SARAH. Pesquisas de especial interesse para a prevenção do neurotrauma já foram realizadas. A educação no trânsito é a principal medida de prevenção dos TCEs.
Voltar ao início
Classificação
Os TCEs podem ser classificados em três tipos, de acordo com a natureza do ferimento do crânio: traumatismo craniano fechado, fratura com afundamento do crânio, e fratura exposta do crânio. Esta classificação é importante, pois ajuda a definir a necessidade de tratamento cirúrgico.
O traumatismo craniano fechado caracteriza-se por ausência de ferimentos no crânio ou, quando muito, fratura linear. Quando não há lesão estrutural macroscópica do encéfalo, o traumatismo craniano fechado é chamado de concussão. Contusão, laceração, hemorragias, e edema (inchaço) podem acontecer nos traumatismos cranianos fechados com lesão do parênquima cerebral.
Os traumatismos cranianos com fraturas com afundamento caracterizam-se pela presença de fragmento ósseo fraturado afundado, comprimindo e lesando o tecido cerebral adjacente. O prognóstico depende do grau da lesão provocada no tecido encefálico.
Nos traumatismos cranianos abertos, com fratura exposta do crânio, ocorre laceração dos tecidos pericranianos e comunicação direta do couro cabeludo com a massa encefálica através de fragmentos ósseos afundados ou estilhaçados. Este tipo de lesão é, em geral, grave e há grande possibilidade de complicações infecciosas intracranianas.
Voltar ao início
Patologia
Lesões Cutâneas e FraturasOs TCEs podem acometer a pele da cabeça, o crânio, ou o cérebro em qualquer combinação. As lesões cutâneas têm pouca morbidade por si só, mas em geral estão associadas a lesões do crânio e do tecido cerebral, além de poderem ser causa freqüente de hemorragia e infecção.
As fraturas do crânio podem ser da convexidade do crânio ou da base. As da convexidade podem ser lineares, deprimidas, ou compostas. As fraturas lineares são comuns e não requerem tratamento específico. Entretanto, são sinais de alerta, podendo ser indicativas de que o TCE teve certa gravidade. Por isto, o paciente com esse tipo de fratura deve ser cuidadosamente observado por 12 a 24 horas na fase aguda. Exames neurológicos devem ser feitos periodicamente neste período, e deterioração do nível de consciência ou alterações ao exame físico podem ser indicativos da presença de hematoma intracraniano.
Fraturas deprimidas do crânio são o resultado de lesões provocadas por objetos de baixa velocidade. A tábua interna do crânio sofre maior dano do que a tábua externa. Essas fraturas podem determinar laceração da membrana de revestimento externa do cérebro ou do tecido cerebral. O tratamento cirúrgico deve ser considerado, sobretudo se a depressão for maior que a espessura do osso do crânio.
Fraturas compostas são caracterizadas pela laceração do osso. O tratamento é essencialmente o mesmo das fraturas simples, lineares: tratamento adequado das feridas cutâneas com fechamento da laceração. As fraturas da base do crânio são as mais freqüentes e, como as fraturas lineares, são indicativas de que o TCE foi intenso. Elas podem levar a fístulas liqüóricas, sendo fontes potenciais de meningite, abscesso, e outras infecções intracranianas. As fraturas da base também podem lesar os nervos cranianos, cujos forames estão aí localizados.
Lesões Encefálicas
As lesões encefálicas podem ser classificadas em primárias e secundárias. As lesões primárias são o resultado do impacto, e geralmente estão presentes já no momento do acidente. As lesões secundárias são aquelas de curso progressivo, ocorrendo como conseqüência de hematoma, edema, isquemia ou hipóxia, podendo levar a lesões neurológicas tardias.
O tecido cerebral pode ser lesado diretamente no lugar do impacto (lesão por ‘golpe’), ou em pontos diametralmente opostos ao impacto (lesão por ‘contra-golpe’). As porções inferiores dos lobos frontais e temporais são as áreas mais acometidas pelas lesões por ´contra-golpe’, pois os ossos da base do crânio, sobretudo nas fossas temporal e frontal, apresentam superfícies rugosas, cheias de acidentes anatômicos.
Tipos de Lesões Cerebrais
Concussão é o traumatismo craniano fechado sem lesão estrutural macroscópica do encéfalo. Há alteração temporária da função cerebral, mais evidente logo após o traumatismo, tendendo a melhorar em 24 horas. Pode ser acompanhada por bradicardia, hipotensão e sudorese. A concussão caracteriza-se pela perda de consciência, freqüente, mas não invariável, amnésia (esquecimento) do evento, letargia temporária, irritabilidade, e disfunção de memória. Não tem curso fatal. A perda de consciência deve ser breve, sendo definida arbitrariamente, com duração inferior a 6 horas.
Lesão axonal difusa ocorre quando a perda de consciência é superior a 6 horas. Caracteriza-se por estiramento dos neurônios em decorrência dos movimentos súbitos de aceleração e desaceleração. Pode ser dividida de acordo com a duração do coma e o prognóstico depende da sua duração. Os comas mais prolongados podem estar associados a sinais focais ou edema, e têm prognóstico mais desfavorável. As lesões são microscópicas, e, em geral, afetam o corpo caloso e o tronco cerebral ou são difusas.
Tumefação cerebral pode ser devida a edema cerebral (aumento do teor de água extravascular) ou por aumento da volemia do cérebro pela vasodilatação anormal. A tumefação pode ser difusa ou focal.
Contusão cerebral caracteriza-se por lesão estrutural do tecido encefálico e pode ser demonstrada pela tomografia computadorizada de crânio como pequenas áreas de hemorragia. Não há lesão da pia-aracnóide (membranas mais internas de revestimento do cérebro). Edema cerebral é comum. As contusões, em geral, produzem alterações neurológicas que persistem por mais de 24 horas. As manifestações clínicas são déficits neurológicos focais, como paralisias, transtornos da linguagem, alterações da memória e do afeto e, mais raramente, alterações visuais. Os déficits neurológicos podem persistir como seqüelas.
Lacerações do tecido cerebral, em geral, ocorrem quando há fraturas, apesar de que movimentos bruscos de aceleração e desaceleração também podem levar a perda de substância encefálica. Laceração das meninges e dos vasos intracranianos acompanham esse tipo de lesão e, geralmente, levam a hemorragia intracraniana. Déficits neurológicos sempre estão presentes, e deixam seqüelas, apesar de ocorrer certa melhora com o tempo.
Hematoma epidural (localizado entre a calota craniana e a membrana mais externa de revestimento do cérebro) ocorre entre 1 a 3 por cento dos TCEs. São lesões associadas a fraturas que laceram uma das artérias ou veias meníngeas. A apresentação clínica é variável. Em geral há perda da consciência logo após o trauma com recuperação após alguns minutos ou horas. Entretanto, posteriormente, o paciente começa a ficar letárgico e ocorre deterioração neurológica, podendo haver herniação cerebral se não tratado. Alterações pupilares e hemiparesia (dificuldade de movimento em um lado do corpo) contralateral ao local da lesão, associadas a alterações da consciência são os achados mais comuns ao exame físico. Cirurgia para drenagem do hematoma é o tratamento de escolha.
Hematoma subdural agudo (localizado entre as membranas que revestem o cérebro) é encontrado, freqüentemente, em pacientes que sofrem traumatismo decorrente de aceleração e desaceleração em altas velocidades. Pode ser simples e tem bom prognóstico quando não há lesão cerebral associada. Hematomas subdurais complicados são acompanhados de laceração do parênquima e dos vasos. O quadro clínico se caracteriza, geralmente, por coma e por diversos graus de alterações focais. O tratamento pode ser cirúrgico ou não, dependendo do tipo e da extensão das lesões.
Hematoma subdural crônico tem apresentação tardia, pelo menos 20 dias depois do trauma. É mais comum em crianças e em idosos. Alcoolismo, epilepsia, uso de anticoagulantes, diálise renal predispõem os pacientes a terem essa complicação. O quadro clínico é insidioso, caracterizado por confusão, distúrbios de memória, apatia e alteração de personalidade. Dor de cabeça é comum. O diagnóstico é feito através da tomografia computadorizada de crânio. Em geral, o tratamento é cirúrgico.
Voltar ao início
Diagnóstico
História clínica
As informações sobre o evento traumático devem ser colhidas de observadores. Deve-se procurar saber sobre a causa do traumatismo, a intensidade do impacto, a presença de sintomas neurológicos, convulsões, diminuição de força, alteração da linguagem, e, sobretudo, deve-se documentar qualquer relato de perda de consciência.
A amnésia para o evento é comum nas concussões. Pode haver, também, perda de memória retrógrada (para eventos ocorridos antes do trauma) ou anterógrada (para os eventos que se sucederam logo após o trauma). A amnésia é característica dos TCEs que cursam com perda de consciência. Amnésia cuja duração é superior a 24 horas é indicativa de que o TCE foi mais intenso, e pode estar relacionada com prognóstico menos favorável. A amnésia de curta duração não tem maior significado clínico.
A alteração da consciência é o sintoma mais comum dos TCEs. A breve perda de contato com o meio é característica da concussão. O coma pode durar horas, dias ou semanas, dependendo da gravidade e localização da lesão. Lesões difusas do encéfalo ou do tronco encefálico podem levar a comas prolongados, sobretudo quando há contusão ou laceração de amplas áreas cerebrais, tumefação ou edema importante. A melhora do nível de consciência tem relação direta com o grau de lesão.
Dor de cabeça intensa, sobretudo unilateral, pode indicar lesão expansiva intracraniana, sendo necessária investigação neurológica cuidadosa. Cefaléia intensa na região occipital pode ser indicativa de fratura do odontóide (estrutura da secunda vértebra que se articula com a primeira).
Exame Físico
O exame físico inicial, na fase aguda, deve ser rápido e objetivo. É importante lembrar que pacientes com TCE são politraumatizados, sendo freqüente a associação com traumatismos torácicos, abdominais e fraturas. Hipóxia, hipotensão, hipo ou hiperglicemia, efeito de drogas narcóticas, e lesões instáveis da coluna vertebral devem ser procurados e convenientemente tratados.
O exame da pele da cabeça deve ser feito com cuidado. Fraturas no crânio devem ser procuradas. Fraturas da base do crânio podem ser suspeitadas pela presença de sangue no tímpano e pela drenagem de líquido cefalorraquidiano pelo ouvido ou nariz.
O propósito do exame neurológico inicial é determinar as funções dos hemisférios cerebrais e do tronco encefálico. Os exames subseqüentes são importantes para verificar a evolução do paciente, se está havendo melhora ou deterioração do seu quadro clínico. Escalas neurológicas foram desenhadas para permitir quantificar o exame neurológico. A escala de coma de Glasgow é uma medida semiquantitativa do grau de envolvimento cerebral, que também orienta o prognóstico (Tabela 1). Entretanto, não é válida para pacientes em choque ou intoxicados. Existe uma escala modificada para crianças (Tabela 2). A presença de traumatismo dos olhos e da medula espinhal dificulta a avaliação. A escala consiste em pontuar os achados do exame neurológico, avaliando a resposta verbal, a abertura dos olhos, e a resposta motora.O exame neurológico deve incluir, ainda, avaliação dos nervos cranianos e exame de fundo de olho (para verificar a presença de edema de papila presente no edema cerebral ou na hipertensão intracraniana). Os reflexos pupilares e os movimentos oculares devem, também, ser avaliados.
Exames Complementares
  • Radiografia de crânio nas incidências ântero-posterior e lateral. As fraturas da convexidade são geralmente bem visíveis, mas as fraturas da base podem ser vistas em menos de 10% dos casos.
  • A tomografia computadorizada de crânio pode demonstrar fraturas, hematomas intra e extra-cerebrais, áreas de contusão, edema cerebral, hidrocefalia, e sinais de herniação cerebral.
  • A ressonância magnética permite verificar a presença de lesões de difícil visualização à tomografia computadorizada, como hematomas subdurais, além de definir melhor a presença de edema. Entretanto, é um exame prolongado, o que dificulta a sua realização de rotina em pacientes com TCE.
  • A angiografia cerebral é indicada para avaliar lesões vasculares no pescoço ou na base do crânio.
Voltar ao início
SÍNDROMES NEUROLÓGICAS APÓS TCE
Após resolução das urgências clínicas e neurológicas que ocorrem nas fases iniciais do atendimento a pessoas que sofreram TCE, inicia-se um longo processo de recuperação que tem características peculiares e que pode esbarrar com complicações muitas vezes inevitáveis relacionadas ao traumatismo.
Epilepsia
A epilepsia é uma das complicações mais comuns do TCE. Cerca de 5% dos pacientes desenvolvem crises epilépticas recorrentes. Esta freqüência varia de acordo com diversos aspectos relacionados ao tipo de lesão cerebral, costumando ser mais alta em lesões mais graves. Elas incidem mais na primeira semana, quando são chamadas crises precoces ou da fase aguda. Quando ocorrem após a primeira semana, são chamadas de tardias. Dos pacientes que apresentam crises no período tardio, 50% costumam tê-las dentro do primeiro ano após o TCE, 25% dentro de 4 anos, e o restante nos anos subseqüentes. O tratamento não difere das demais epilepsias (drogas antiepilépticas habituais). Em alguns casos não é possível controlar as crises com medicamentos.
O uso de antiepilépticos de maneira inadequada é relativamente freqüente. Não raramente, pacientes que nunca tiveram crises epilépticas ou as apresentaram apenas na fase aguda (primeira semana após o acidente) permanecem usando medicações antiepilépticas por tempo prolongado. Com base em estudos realizados até o momento, não há indicação precisa para esse uso. Além das drogas não atuarem como profiláticas, evitando as crises, elas têm efeitos colaterais, e podem retardar os mecanismos de regeneração do cérebro.
Como as epilepsias relacionadas com lesão cerebral identificável, a epilepsia pós-traumática costuma ser persistente. Mesmo após um determinado período sem crises, pode haver recorrência. Isto significa que, muitas vezes, as medicações para controle de crises devem ser mantidas por períodos mais longos do que o habitual, mesmo havendo remissão por mais de dois anos.
Alterações Motoras
Quando a lesão está localizada na área responsável pelo início do movimento voluntário (trato piramidal) os músculos são espásticos (têm tônus aumentado) e os reflexos tendinosos são exacerbados. Os pacientes com envolvimento das pernas, dos braços, do tronco e do pescoço (envolvimento total) têm tetraplegia espástica e são mais dependentes da ajuda de outras pessoas para alimentação, higiene e locomoção. Havendo recuperação cerebral, mesmo pacientes com tetraplegia espástica grave, nas semanas que se sucedem ao acidente, podem apresentar melhora gradativa do quadro motor, chegando a readquirir independência total. Na hemiplegia espástica, observa-se alterações do movimento em um lado do corpo, como por exemplo, perna e braço à esquerda. Este tipo de envolvimento tem prognóstico motor melhor. Na monoplegia, condição mais rara, somente um membro está envolvido.
Quando a lesão está localizada nas áreas que modificam ou regulam o movimento (trato extra-piramidal), surgem movimentos involuntários (fora de controle) e os movimentos voluntários são prejudicados. A freqüência de movimentos involuntários como seqüela de TCE não é bem conhecida.
A ataxia está relacionada com lesões cerebelares ou das vias cerebelares e manifesta-se por déficit de equilíbrio e incoordenação. O cerebelo pode sofrer lesão direta e, neste caso, geralmente observa-se dificuldade de coordenação localizada. A ataxia generalizada costuma estar relacionada com anóxia cerebral ocorrida durante os períodos iniciais após o acidente. Muitos pacientes com tetraplegia espástica nas fases mais agudas do trauma evoluem para um quadro atáxico com o passar do tempo.
Hidrocefalia
A hidrocefalia (aumento do volume de líquido céfalo-raquiano nas cavidades cerebrais) manifesta-se com piora do quadro neurológico, dor de cabeça, vômitos, confusão mental e sonolência. Mais tardiamente, observa-se dificuldade de raciocínio, apatia e lentificação psicomotora. Em alguns casos, pode ocorrer hidrocefalia com pressão normal, decorrente de redução da capacidade de absorção do líquido céfalo-raquiano, que é continuamente produzido. O tratamento da hidrocefalia, quando necessário, consiste em medicações que reduzem a produção de líquido céfalo-raquiano ou cirurgias que aumentam sua drenagem.
Disfunção Autonômica
Em pacientes com TCE grave podem ocorrer episódios súbitos de sudorese, hipertensão arterial, taquicardia, febre e extensão dos membros. Estas crises são ocasionadas por destruição de algumas conexões entre o córtex cerebral e o hipotálamo e geralmente são desencadeadas por estímulos dolorosos, incluindo distensão da bexiga ou dos intestinos. O tratamento consiste em evitar esses estímulos. Algumas drogas podem ser úteis no alívio dessas crises.
Lesão de Nervos Cranianos
O TCE pode envolver alguns dos nervos cranianos. O nervo olfatório pode ser lesado em cerca de 5% dos pacientes, acarretando anosmia (perda do olfato). Metade destes pacientes se recupera totalmente. A recuperação geralmente ocorre dentro de 2 meses, podendo haver uma fase de percepção distorcida dos cheiros. Não há tratamento específico. O nervo óptico, que transmite a visão do olho até o cérebro, costuma ser afetado em 1 a 2% dos pacientes, ocasionando perda visual parcial ou total. A cegueira é reversível em menos da metade dos casos. A lesão dos nervos responsáveis pela movimentação dos olhos (nervos 3, 4 e 6, também chamados oculomotor, troclear e abducente), ocorre nas frequëncias respectivas de 3%, <1% e 5% dos casos. O que se observa é um desalinhamento dos olhos (estrabismo) que ocasiona visão dupla. Estas alterações podem desaparecer dentro de um período de 1 ano. Não se observando recuperação dentro deste prazo, pode ser feita correção cirúrgica. O nervo trigêmio, responsável principalmente pela sensibilidade da face, pode ser envolvido em alguns casos, ocasionando dormência e dor facial. Os nervos 7 (facial, cuja principal função é movimentar os músculos da face) e 8 (responsável pela audição e equilíbrio) podem ser envolvidos quando há fratura da parte petrosa do osso temporal. Como nos outros casos, estas alterações também podem ser reversíveis.
Alterações Cognitivas e Neuropsicológicas
O grau de envolvimento cognitivo (capacidade de adquirir conhecimento) pode abranger desde pacientes sem nenhuma resposta até pacientes nos quais as dificuldades só podem ser identificadas através de testes específicos.
Por causa das relações entre o cérebro e os ossos do crânio, as regiões cerebrais mais freqüentemente lesadas após TCE são os lobos frontais e temporais. Em virtude disso, as dificuldades mais comumente observadas são aquelas relacionadas a funções desempenhadas por estas regiões do cérebro (memória, planejamento, funções executivas e comportamento). No entanto, qualquer área do cérebro pode ser comprometida e como conseqüência, qualquer tipo de alteração neuropsicológica pode ser observado, como: dificuldade na linguagem, leitura, escrita, percepção espacial e reconhecimento do corpo. As deficiências cognitivas e neuropsicológicas costumam ter recuperação significativa nos primeiros 6 a 12 meses. Após este período, os sinais de melhora surgem bem mais lentamente e o período de recuperação pode prolongar-se por meses ou anos. Em crianças, a recuperação costuma ser mais significativa e prolonga-se por mais tempo do que no adulto.
Alterações de Comportamento
Alterações de comportamento como apatia, desinibição, impulsividade, agressividade, perseveração, irritabilidade, ansiedade, distúrbio do sono, psicose e depressão podem estar presentes. Assim como nas alterações cognitivas e neuropsicológicas, as alterações comportamentais podem se tornar mais leves e desaparecerem com o passar do tempo. Nos casos mais graves, o tratamento requer abordagem psicológica e medicamentosa.
Outras Complicações
Após um traumatismo cranioencefálico podem acontecer complicações neuroendócrinas decorrentes de alterações do controle hormonal do organismo, que depende, principalmente, do cérebro. Podem ocorrer situações como diabetes insipidus (o principal sintoma é eliminar grandes quantidades de urina), alterações relacionadas com a regulação hipotalâmica (como por exemplo hiperfagia) e transtornos menstruais. Outra alteração freqüentemente observada é a formação de osso em locais indevidos como quadril, cotovelo e ombro (ossificação heterotópica). A incontinência urinária é, geralmente, secundária à desinibição, mas por vezes tem como causa uma bexiga hiperreflexa (que apresenta contrações anormais). Disfagia (dificuldade de deglutição), muitas vezes reversível, pode estar presente nos pacientes com envolvimento mais grave.
Voltar ao início
Prognóstico
O prognóstico, ou previsão do grau de recuperação dos pacientes, é bastante variável. Talvez, o principal fator prognóstico seja a gravidade do trauma. A gravidade tem sido aferida de diversas formas, como a duração da amnésia pós-traumática, o período de tempo transcorrido até que o paciente comece a responder a comandos verbais e o comprometimento do nível de consciência nas horas que sucedem ao acidente. O parâmetro mais usado é a aferição da gravidade e duração do comprometimento da consciência após o TCE, que é feita através da Escala de Coma de Glasgow. Essa escala atribui pontos ao desempenho do paciente na abertura dos olhos, nas respostas verbais e nas respostas motoras, atingindo um total que pode variar entre 3 pontos (nenhuma resposta) e 15 pontos (resposta normal) (Tabela1). Baseado nessa escala, pacientes com pontuação inicial entre 3 a 8 são classificados como graves, aqueles com pontuação entre 9 a 12 como moderados e os demais como leves. Algumas vezes, pacientes com TCE leve ou moderado apresentam lesões focais detectadas através do exame neurológico ou radiológico, o que torna o prognóstico pior. Com base nessa classificação de gravidade do TCE, é possível se fazer algumas considerações em termos de prognóstico: o TCE grave geralmente cursa com mortalidade na fase inicial de mais de 50% e dentre os sobreviventes, 30% tem uma recuperação regular ou boa após 6 meses. O TCE moderado tem mortalidade de menos de 10% e muitos pacientes ficam apenas com seqüelas leves. O TCE leve raramente resulta em morte e o paciente geralmente é capaz de retomar uma vida normal.
A avaliação do prognóstico não é precisa, sendo freqüentes os casos de recuperação melhor ou pior do que o previsto. Além da Escala de Coma de Glasgow, outros fatores têm sido relacionados a um melhor prognóstico: idade <40 anos, TCE único, duração do estado de coma <2 semanas, amnésia pós-traumática <2 semanas, ausência de lesões intracerebrais expansivas, ausência de hipertensão intracraniana, ausência de isquemia ou hipóxia cerebral, ausência de atrofia cerebral e reabilitação precoce.
Não há dúvida quanto à capacidade de recuperação cerebral após as lesões sofridas em virtude de traumatismo. Os mecanismos dessa recuperação é que não são completamente conhecidos. Existem algumas teorias a respeito. Uma vez que o paciente tem seu quadro clínico e neurológico estabilizado após o TCE, o cérebro passa a ter condições ‘ideais’ de funcionamento, que independe de modificações intrínsecas. Os mecanismos através dos quais o cérebro passa a recuperar funções podem ser, entre outros, os seguintes: áreas não lesadas podem exercer funções de áreas lesadas, conexões perdidas podem se restabelecer e pode haver reorganização dos neurotransmissores. Muito se tem pesquisado sobre este tema e espera-se que haja cada vez mais recursos a oferecer às pessoas que sofreram traumatismo cranioencefálico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário